O presente estudo visa o entendimento quanto à Lei Complementar 190/22, publicada em 05/01/2022 que altera a Lei Complementar 87/96, conhecida como Lei Kandir, que regulamenta a aplicação do ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) e do DIFAL (diferencial de alíquota) sobre vendas de produtos interestaduais a consumidor final não contribuinte.
O DIFAL tem por finalidade tornar mais justa a arrecadação entre os Estados, visando à repartição dos valores, entre vendedores e compradores. A fim de ajustar o recolhimento desse imposto, houve a edição da Emenda Constitucional 87/2015, onde os Estados membros e o Distrito Federal firmaram o Convênio ICMS 93/2015, editado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), com a finalidade de concretizar toda a situação trazida pela referida emenda constitucional, disciplinando a cobrança do DIFAL.
Ocorre que a Constituição Federal estabelece claramente que as normas relativas à matéria tributária devem ser regulamentadas por Lei Complementar e, no que diz respeito à regularização do ICMS, a Lei Complementar n. 87/96 disciplina a matéria, porém sem prever a normatização relativa à alíquota para destinatários não contribuintes.
Em 2021, após provocação do judiciário, o Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RE 1287019/DF, com repercussão geral reconhecida, de forma a fixar o tema 1.093:
“A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais".
Desse modo, a cobrança do DIFAL para consumidor final não contribuinte foi julgada inconstitucional, e de acordo com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é indevida a cobrança em operação interestadual de valores referentes ao DIFAL, tendo em vista a ausência de Lei Complementar que regulamente a matéria, condicionando à edição pelo Congresso Nacional, ainda em 2021, de lei complementar para regulamentar a questão.
Em 20/12/2021 o Projeto de Lei Complementar 32/2021, que disciplina a incidência de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS/DIFAL) em operações interestaduais envolvendo mercadorias destinadas a consumidor final não contribuinte foi aprovado sem veto.
Contudo, apenas em 05/01/2022 fora publicada a Lei Complementar 190/2022, proveniente da PLP 32/2021, para adotar a cobrança do DIFAL em operações interestaduais com consumidor final não contribuinte com vários pontos a serem esclarecidos quanto à efetiva aplicação.
Conforme destacado na própria Lei Complementar:
“Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea "c" do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal”.
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (...)
III - cobrar tributos (...)
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”
A Constituição Federal traz estampados os limites ao poder de tributar dos entes federativos em relação ao contribuinte. Dentre essas limitações, devem ser respeitados os princípios da anterioridade nonagesimal e anterioridade anual, conforme supramencionado.
Desse modo, a Lei Complementar 190/2022 só deveria efetivamente produzir seus efeitos a partir de 2023.
Outro ponto a ser observado é a previsão legal contida no artigo 24 da Lei Complementar 87/96:
“Art. 24-A. Os Estados e o Distrito Federal divulgarão, em portal próprio, as informações necessárias ao cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, nas operações e prestações interestaduais, conforme o tipo”.
Com o julgamento do STF em 2021, vários Estados se anteciparam e editaram lei como pré-aviso para fazer cumprir o artigo 24, sem a efetiva existência da Lei Complementar.
Embora a grande maioria dos tributaristas entendam que a aplicação da LC deva acontecer a partir de 2023, o CONFAZ publicou em 06/01/2022 o convênio nº 236 que dispõe sobre os procedimentos a serem observados nas operações e prestações que destinem mercadorias, bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS localizados em outra unidade federativa, produzindo efeitos a partir de 01/01/2022.
Os Estados, no entanto, passaram a defender a tese de que a nova lei complementar não instituiu nenhum tributo, pois o DIFAL já existia, podendo ser cobrado em 2022, interpretação rechaçada pelo Confaz.
O site https://difal.svrs.rs.gov.br/inicial disponibiliza todas as informações pertinentes à legislação, recolhimentos e obrigações acessórias para todos os Estados da federação:
“Conforme o disposto no Convênio ICMS nº 235, de 27 de dezembro de 2021, fica instituído o Portal Nacional da diferença entre as alíquotas interna da unidade federada de destino e interestadual nas operações e prestações destinadas a consumidor final não contribuinte do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS - localizado em outra unidade federada”
Diferente do alegado pelos Estados, o novo DIFAL altera o formato de cálculo, elevando a carga tributária, trazendo à tona polêmica quanto à aplicação imediata.
A Lei Complementar que deveria encerrar por definitivo a questão do diferencial de alíquota interestadual para não contribuintes reacende a celeuma com inúmeros questionamentos no contencioso tributário, de forma a possibilitar ao contribuinte a busca preventiva para se resguardar judicialmente dos ônus da respectiva norma.
A BPI&F Advogados Associados permanece atenta ao desfecho desse tema, de modo a defender os interesses de seus clientes e dos contribuintes.
Comentários